segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Opinião: O Homem de Giz

Título Original: The Chalk Man (2016)
Autor: C. J. Tudor
Tradução: Victor Antunes
ISBN: 9789896579937
Editora: Planeta (2018)

Sinopse:

A história começa em 1986 e, após um hiato de trinta anos, o passado surge para transformar a vida de Eddie. As influências de Stephen King e o toque de Irvin Welsh, conferem ao livro não só um tipo de narrativa diferente como um suspense ao limite. O que contribui para que a história tenha um desfecho muito real e chocante. O Homem de Giz conta-nos a história de um grupo de crianças, não poupando nos pormenores sociais onde estão inseridas e em como as influências de famílias disfuncionais contribuem para exacerbar o imaginário infantil.
A história começa quando aos doze anos Eddie e os amigos tiveram contacto com o misterioso Homem de Giz. Uma personagem central na trama e Eddie será assombrado por ela. As estranhas figuras de giz conduzem Eddie e os amigos a um cadáver de uma rapariga pouco mais velha que eles e esta descoberta irá marcámos para sempre. Tudo aconteceu há trinta anos, e Eddie convenceu-se de que o passado tinha ficado para trás. Até ao dia em que recebeu uma carta que continha apenas duas coisas: um pedaço de giz e o desenho de uma figura em traços rígidos. À medida que a história se vai repetindo, Eddie vai percebendo que o jogo nunca terminou.

Opinião:

O passado e o presente cruzam-se neste thriller delicioso. O Homem de Giz era um livro que aguardava com expectativa e que revelou ser uma leitura compulsiva, intrigante e intensa. C. J. Tudor apresenta-nos um mistério que não é totalmente perceptível de imediato, mas transmite sempre a sensação de que algo de errado está para acontecer, se não mesmo a decorrer naquele exacto momento. E qualquer pessoa pode ser o culpado, o que aumenta a tensão ao passar de cada página.

Uma dos primeiros aspectos que me chamou a atenção foi o facto de a autora conseguir criar personagens imperfeitas e empáticas. Quero com isto dizer que as figuras que vão aparecendo ao longo da narrativa tem problemas próprios, o que as torna humanas, mas é curioso verificar que elas não nos são logo expostas. As personagens vão sendo desvendadas aos poucos e poucos, revelando-se ainda mais problemáticas do que poderíamos imaginar e, por isso mesmo, aliciantes.

Além do mais, sentimos uma grande ligação com estas figuras por as conhecermos de momentos bem distintos. Afinal, a trama acontece nos anos de 1986 e 2016. São 30 anos que permitem um desenvolvimento em Eddie e nos seus amigos, mas que, mesmo assim, mostram que a essência de cada uma destas figuras permanece inalterada. As pessoas evoluem, tornam-se adultas, enfrentam novos desafios, mas não deixam de ser quem sempre foram, por muito que tentem esconder, disfarçar ou negar.

Eddie, o protagonista, provoca diferentes sensações. Por um lado senti simpatia pelo rapaz meio desajustado e pelo homem solitário em que se tornou, mas por outro senti que muitas vezes não estava a contar-nos toda a história, ou que estava a ser ingénuo. Uma personagem que aumenta o mistério da obra. Os seus amigos, Gav Gordo, Metal Mickey, Hoppo e Nicky, formam um grupo heterógeneo que, à primeira vista, pode transmitir a ideia de que representa um estereotipo de grupos de miúdos dos anos 80, mas que se revela mais do que isso. A própria comunidade em que habitam sugere uma ideia de fachada para disfarçar as imperfeições de quem a compõe.

Vermos um grupo de crianças directamente relacionado com situações de homicídio pode chocar. C. J. Tudor faz-nos questionar a inocência própria dessa idade e leva-nos a duvidar até mesmo das figuras que aparentam menor capacidade para magoar os outros. Não é fácil adivinhar quem foi o assassino, nem os seus motivos, mas tudo faz sentido quando é apresentado. Além disso, dei por mim a pensar que quem pratica o crime pode não ser o único culpado. Podem existir outras figuras capazes de feitos condenáveis e inesperados em situações extremas por proveito próprio.

O desenrolar da narrativa é rápido, apesar dos saltos temporais. Existem sempre a vontade de descobrir o que vai acontecer a seguir e de descortinar as personalidades e objectivos de cada uma das figuras que vai aparecendo. O grande mistério só é mesmo desvendado no final, provocando surpresa e levando o leitor a pensar em como é perigoso tomar decisões precipitadas. E as últimas páginas conseguem provocar um arrepio.

O Homem de Giz superou as expectativas. É difícil imaginar que se trata de uma obra de estreia, pois C. J. Tudor revelou-se uma verdadeira mestre na arte de criar uma intriga forte, uma conclusão surpreendente e personagens reiais. Gostei muito deste livro e espero que a autora continua a apostar na escrita. Estou curiosa para saber o que poderá fazer a seguir desta história tão impressionante.

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